Na véspera de receber rim doado pela mulher, vítima da Backer se emociona: 'gesto de amor'

Publiciado em 28/09/2020 as 07:07

"Dificilmente a gente vai encontrar um gesto de amor maior do que dar um pedaço de si para outra pessoa, né? É um relacionamento de respeito, de carinho, de responsabilidade. De amor. Isso faz a vida ter sentido", emocionou-se Cristiano Gomes, uma das vítimas do caso Backer, ao conversar com o G1 horas antes de ser internado, nesta segunda-feira (28), para receber o rim doado pela própria mulher, Flávia Shayer.

Ela estava tão comovida quanto e, assim como o marido, cheia de expectativas: "Estou meditando, orando, tendo apenas pensamentos positivos. Quero uma onda do bem antes da cirurgia", disse Flávia Shayer.

A doação é necessária após a intoxicação por dietilenoglicol quando Cristiano bebeu a cerveja Belorizontina, da Backer.

"Compramos a cerveja no dia 29 de novembro, fomos para um sítio e bebi sete garrafas. Viemos embora, pois eu estava passando muito mal. Achamos que era cansaço por causa do final do ano e decidi beber todo dia uma garrafa para relaxar. No dia 21 de dezembro, após beber três garrafas e meia, fui internado e, no dia 23, do mesmo mês, meu rim parou de funcionar", lembrou ele.

O dietilenoglicol, substância que contaminou a cerveja, já provocou dez mortes, e deixou sequelas graves em outras 16 pessoas, segundo a denúncia do Ministério Público (leia mais abaixo). O corpo do Cristiano chegou a ficar quase totalmente paralisado. Ele ficou três meses internado e, após receber alta, precisou fazer diálise peritoneal por dez horas diárias, e entrar na lista de espera para receber a doação de um rim.

No Brasil, até 31 de julho, última atualização do Ministério da Saúde, 26.678 pacientes aguardavam pelo transplante de rim. Em Minas Gerais eram 2.870 pessoas. Neste semestre, comparado ao primeiro de 2019, houve diminuição no número de transplantes de rim com doador vivo em 58,5%.

Para evitar a demora e a espera por doadores, Flávia decidiu se candidatar para fazer a doação mesmo sabendo que a probabilidade era difícil. Em agosto, recebeu a notícia que tinha os rins compatíveis aos do marido.

"Tem pessoas que estão esperando há sete anos por um doador. Então a emoção do resultado positivo foi grande. Deus fez dar certo. Meu olho enche de água ao ver meu marido vivo", contou Flávia Schayer.
Para celebrar a compatibilidade, ela mandou fazer uma arte com um desenho do órgão e entregou o presente para o marido no dia de seu aniversário, 15 de agosto.

"O presente foi para celebrar a possibilidade da cirurgia e, agora que a certeza chegou, estou com frio na barriga, mas muito feliz. É uma cirurgia grande e, na hora que colocar o meu rim nele, o organismo já começa a melhorar. Meu desejo é mudar a vida dele. Tem pessoas que falam que não fariam isso pelo marido e eu respondo que por amor vale tudo”, disse Flávia, emocionada.

Cirurgias simultâneas

A cirurgia será feita no hospital Felício Rocho pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em Belo Horizonte. Nesta segunda-feira (28) o casal se interna às 15h e, na terça-feira (29), às 7h30, começa a cirurgia.

O responsável é o coordenador do programa de transplantes de pâncreas e rins, Ricardo Gontijo.

"O procedimento dura cerca de duas horas. Começamos a cirurgia na Flávia enquanto o Cristiano fica em uma sala ao lado aguardando. Quando iniciar o procedimento nela, a gente começa nele. As cirurgias são quase simultâneas. Depois é aguardar pela boa evolução", disse o médico.

Gontijo disse que sabe a responsabilidade que tem nas mãos.

"É um desafio para todos. Pelos registros, será o primeiro paciente intoxicado por dietilenoglicol que fará um transplante de rins. Estamos cautelosos, otimistas e confiantes em um bom resultado", disse o médico.

O casal está em isolamento há alguns dias e teve que fazer teste para Covid-19 antes de o transplante ser confirmado. O resultado do teste – felizmente, negativo para os dois – saiu no sábado (26).

Para a cirurgia, a família precisa de 40 doadores de sangue. Os interessados em ajudar devem ir à rua Juiz de Fora, 941, no Barro Preto, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ou agendar no site.

Semana Nacional de Doação de Órgãos

O transplante acontece na Semana Nacional de Doação de Órgãos, que é lembrada entre os dias 25 e 29 de setembro e, neste ano, traz o slogan “Doe órgãos. A vida precisa continuar”.

O Ministério da Saúde divulgou, na última quinta-feira (24), o balanço sobre a doação de órgãos, tecidos e células, além dos transplantes realizados no Brasil no primeiro semestre de 2020.

De janeiro a julho de 2019 foram realizados 15.827 transplantes. No mesmo período em 2020, o número de procedimentos foi de 9.952. No país, até 31 de julho, existiam 46.181 pacientes aguardando por um transplante.

Relembre o caso Backer

A contaminação nas cervejas da Backer veio à tona em janeiro deste ano, quando a Polícia Civil começou a investigar a internação de vários consumidores após tomarem a cerveja Belorizontina, da Backer, com sintomas de intoxicação. Eles desenvolveram a síndrome nefroneural, que chegou a matar dez pessoas e deixar outras com problemas nos rins e sintomas como cegueira e paralisação facial, ainda em recuperação.

Polícia Civil concluiu o inquérito no dia 9 de junho, indiciando 11 pessoas ligadas à Backer. Entre os crimes apontados pela polícia estavam lesão corporal, contaminação de produto alimentício e homicídio.

Segundo o delegado Flávio Grossi, foi possível comprovar a existência de um vazamento no tanque de cerveja. O inquérito, que chegou a considerar 42 vítimas, foi concluído com 29 vítimas criminais, segundo a Polícia Civil. Entre elas, dez morreram.

No dia 4 de setembro, o Ministério Público denunciou à Justiça as mesmas 11 pessoas, inclusive os sócios-proprietários da cervejaria Backer, "por crimes cometidos em função da contaminação de cervejas fabricadas e vendidas pela empresa ao consumidor".

Segundo a promotora responsável pelo caso, Vanessa Fusco, a denúncia foi apresentada com 26 vítimas de intoxicação por dietilenoglicol, três a menos que o inquérito da Polícia Civil. De acordo com ela, estas são as vítimas que tiveram comprovação da intoxicação por exames do Instituto de Criminalística.

G1 procurou a Backer para comentar a necessidade de transplante de rim por uma de suas vítimas e, até a última atualização desta reportagem, ainda não havia obtido retorno.

 
 
Do G1