Escola Sem Partido: muito longe de um consenso

Publiciado em 03/12/2018 as 10:30

A tramitação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei 7180/2014, que institui o programa “Escola Sem Partido”, ganhou força com a eleição à presidência de Jair Bolsonaro (PSL) - o pesselista, durante a sua campanha, fortaleceu o discurso de combate à doutrinação ideológica nas salas de aula. A matéria, no entanto, encontra resistências na Câmara dos Deputados, onde é apreciada por uma comissão especial e pode ser votada amanhã. Alvo de uma série de obstruções, a proposta tornou-se o foco de uma “guerra” política e cultural entre conservadores e progressistas, o que sinaliza uma continuidade do acirramento dado nas últimas eleições.

Em suma, a proposta inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar. Segundo o relator, deputado federal Flavinho (PSC-SP), há diferença entre professores e doutrinadores e que o projeto busca coibir a atuação desses. “Isso estava muito escondido, ninguém falava sobre doutrinação em escola. Apareceu o problema”, disse. Segundo o relator, os alunos e pais que se sentem lesados pelos doutrinadores devem poder produzir provas contra eles, por exemplo, filmando-os em sala de aula.

Iniciativas semelhantes se disseminaram pelas casas legislativas nos estados e municípios, gerando, inclusive, uma demanda ao Supremo Tribunal Federal (STF), quanto à sua constitucionalidade. Consta, na pauta do STF, o julgamento sobre uma lei estadual de Alagoas semelhante, batizada de Escola Livre. Nesse sentido, a suprema corte pode estabelecer um entendimento único sobre as demais propostas de Escola Sem Partido País afora. Sem previsão para que o pleno do STF aprecie a ação, a ideia, contudo, é que o Judiciário não se antecipe à deliberação do Legislativo. O impasse na Câmara, entretanto, pode demorar o suficiente para que apenas a próxima legislatura vote a medida.

O PL 7180/14 teve o seu relatório lido na comissão especial, depois de seis tentativas obstruídas pela oposição. Caso seja aprovada amanhã na comissão, poderá seguir direto para deliberação no Senado e posterior sanção presidencial. Existe, no entanto, a possibilidade de que a matéria vá ao plenário da Câmara, caso essa circunstância seja requerida por parlamentares, o que, provavelmente, ocorrerá, segundo integrantes da oposição.

O deputado federal Danilo Cabral (PSB-PE), que preside a Comissão de Educação e integra a comissão especial, chegou a manifestar ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, em reunião, o desejo de que a suprema corte agilize o seu entendimento sobre o mérito do projeto Escola Livre, de Alagoas. 

Para o socialista, há indícios de que a proposta atenta contra a Constituição e o entendimento do Judiciário poderia sanar iniciativas semelhantes. “Esse debate tem gerado um ambiente de acirramento maior nas escolas e universidades, situações onde a gente vê o professor ter a sua autoridade questionada. Um processo de desprestígio da autoridade do professor”, argumenta Cabral, que qualifica o “Escola Sem Partido” como “uma medida periférica, incapaz de resolver os problemas educacionais do País”.

Favorável à medida, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) concorda que o projeto não vai resolver toda a problemática da educação, mas advoga que será um analgésico que o paciente (a educação) precisa neste momento, para depois pensar em reformas estruturantes do ensino. “Educação é um dever constitucional dado aos pais. A escola não está aí para educar, está pra ensinar”, afirma o democrata. “O problema é que a esquerda vê alunos como morcego vê sangue. Não existe cerceamento da liberdade de cátedra, não existe nenhuma novidade dos deveres dos professores. A proposta está apenas simplificando a linguagem, para que alunos do ensino médio entendam. Não é nenhum novo dever do professor”, avalia.

O professor de Direito da UFPE João Paulo Allain Teixeira explica que, do ponto de vista de qualquer atividade humana, não existe a neutralidade e o asceptismo pretendido pela proposta. “Práticas de controle e vigilânciacomo essas são próprias de regimes de força, regimes autoritários que precisam silenciar os eventuais críticos”, pondera. “A Constituição de 1988 preza pelo pluralismo político, pela diversidade de saberes e também pela autonomia universitária. Uma tal medida contraria a Constituição”, afere.

O professor de Ciência Política da Unicamp Oswaldo Amaral também tem críticas contundentes à proposta. Para Amaral, o Escola Sem Partido reflete as preocupações de um segmento específico da sociedade, o que denota desconhecimento da realidade das escolas brasileiras. “Se a escola fosse tão partidarizada, a gente estaria vivendo com outros governantes, outros regimes”, explica. “A proposta apenas tem o intuito de mobilizar um contingente de pessoas que votou no presidente eleito e não teria efetividade do ponto de vista de melhorar ou piorar o ensino no Brasil”, argumenta.

Razões
Atuante no papel de fiscalizar a rede pública municipal, o vereador do Recife e professor universitário André Régis (PSDB) entende que há razão nas críticas contra a doutrinação ideológica nas salas de aula, mas que a solução não seria necessariamente pelo Escola Sem Partido. “O Brasil todo deveria estar discutindo é porque as escolas não são capazes de educar as crianças”, critica.

“A forma eficaz de combater qualquer tipo de utilização inadequada da escola para doutrinar alunos seria cobrar resultados objetivos dos estudantes, no que se refere ao aprendizado”, acredita o tucano. “O professor que doutrina normalmente não produz e essa improdutividade seria aferida com uma fiscalização mais acentuada”, imagina.