Alimentação saudável pesa no orçamento de famílias na América Latina e Caribe
Populações enfrentam altos custos para manter uma dieta equilibrada, evidenciando desigualdades e barreir

Buscar uma alimentação equilibrada e nutritiva é um desejo comum de quem procura mais saúde e qualidade de vida. Contudo, o que deveria ser um direito básico acaba se tornando inacessível em muitas partes do mundo, especialmente na América Latina e no Caribe. Muito além de uma decisão individual, o desafio de consumir alimentos saudáveis na região está atrelado a fatores econômicos e sociais complexos, fazendo com que produtos ultraprocessados se tornem a opção mais prática e financeiramente viável para muitas famílias.
Um levantamento do Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutrição na América Latina e Caribe de 2024, divulgado por instituições como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), chama atenção para esse cenário preocupante. De acordo com o relatório, o valor médio de uma dieta saudável chega a US$ 4,56 por pessoa diariamente, um valor superior à média global, que é de US$ 3,96. Isso indica que aproximadamente 182,9 milhões de pessoas nessas regiões não têm condições financeiras de manter uma alimentação adequada.
Segundo Carla Souza, nutricionista clínica e esportiva e professora da Universidade Tiradentes (Unit), uma dieta equilibrada deve priorizar alimentos naturais ou minimamente processados, respeitar tradições alimentares e ser adaptada às necessidades específicas de cada pessoa. “Itens como frutas, legumes, grãos integrais, leguminosas e sementes são a base de uma alimentação saudável. O problema é que, infelizmente, esses alimentos ainda estão fora da realidade de grande parte da população”, destaca Carla.
Entre alimentos naturais e produtos industrializados
Diversos fatores explicam por que produtos industrializados custam menos. Conforme explica a nutricionista, esses itens são fabricados em grandes quantidades, com matéria-prima barata, como farinhas refinadas, óleos e aditivos. Além disso, seu prazo de validade é longo e a logística de distribuição é mais eficiente. “A indústria investe pesado nesses produtos, tanto na produção quanto na publicidade. Isso faz com que sejam encontrados com facilidade e se tornem atraentes, principalmente para quem dispõe de poucos recursos e pouco tempo para cozinhar”, analisa.
Por outro lado, os alimentos frescos enfrentam obstáculos significativos ao longo da cadeia produtiva. “Há muitas dificuldades no escoamento da produção, devido a problemas logísticos, transporte limitado e falta de estrutura de armazenamento. Além disso, a alta carga de impostos sobre alimentos básicos encarece ainda mais esses produtos. Mesmo quando a produção acontece, as perdas pós-colheita, especialmente em frutas e verduras, podem ultrapassar 30%. E o número de intermediários entre o campo e a mesa do consumidor contribui para tornar o alimento mais caro e o produtor menos remunerado”, afirma.
Os ultraprocessados são fabricados por grandes empresas com forte influência econômica e política, enquanto os alimentos naturais vêm, em sua maioria, da agricultura familiar, dependente do clima e de apoio limitado em termos de infraestrutura e financiamento. Além disso, os subsídios governamentais costumam beneficiar commodities como soja e milho, amplamente usados na indústria de alimentos processados. Somam-se a isso os impactos das mudanças climáticas, que prejudicam colheitas, diminuem a oferta e elevam os preços dos alimentos frescos.
Consequências para a saúde da população
O excesso de consumo de produtos industrializados está diretamente ligado ao crescimento de doenças crônicas. “Problemas como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e até alguns tipos de câncer têm relação direta com uma alimentação de baixo valor nutricional. Dietas pobres em nutrientes também afetam o desenvolvimento infantil, reduzem a imunidade e prejudicam o bem-estar em geral. A desregulação do microbioma intestinal, por exemplo, está associada a inflamações persistentes e à redução da qualidade de vida”, alerta Carla Souza.
A renda familiar também influencia diretamente no que se coloca no prato. Carla observa que famílias com menor poder aquisitivo tendem a morar longe de feiras e mercados que vendem produtos frescos, têm menos acesso à informação nutricional e, muitas vezes, não dispõem de tempo, recursos ou estrutura para preparar refeições completas. “Cozinhar de forma saudável requer planejamento, equipamentos, energia elétrica e tempo disponível. Para quem vive na correria e com o orçamento apertado, o alimento ultraprocessado parece ser a solução mais rápida, embora perigosa”, pontua.
Alternativas possíveis
Apesar dos inúmeros desafios, existem caminhos que podem facilitar o acesso à alimentação saudável. A adoção de políticas públicas específicas pode ser fundamental nesse processo. “Iniciativas como a concessão de incentivos à produção e comercialização de alimentos frescos, apoio à agricultura familiar e práticas agroecológicas, além da taxação de produtos ultraprocessados, podem contribuir muito para uma mudança positiva nesse cenário”, defende a nutricionista.
Ela também enfatiza a importância de garantir o acesso a alimentos in natura em instituições públicas, especialmente nas escolas, por meio de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O incentivo a práticas alimentares saudáveis pode começar dentro das comunidades e do ambiente escolar, com ações simples, mas eficazes.
“Iniciativas como hortas escolares e comunitárias, educação alimentar integrada ao currículo escolar, oficinas culinárias, feiras de produtos agroecológicos, conversas com profissionais da área e campanhas de conscientização são estratégias acessíveis e com bons resultados”, sugere Carla. Ela também reforça a relevância de oferecer uma merenda escolar saudável, baseada em alimentos frescos e provenientes da agricultura local.
Para a especialista, essas ações criam ambientes que favorecem hábitos mais saudáveis e geram impactos duradouros. “O trabalho do nutricionista é essencial nesse processo, desde a criação até a implementação das ações. Somos peças-chave na transformação social por meio da educação alimentar”, finaliza.
Com informações do Jornal da USP.
Por: Laís Marques
Fonte: Asscom Unit