Um grupo de estudantes e professores sergipanos está aprofundando pesquisas e discussões científicas a respeito do uso medicinal de substâncias extraídas da Cannabis spp, espécie de plantas que tem como uma de suas variações a cannabis sativa. Trata-se da Liga Acadêmica de Estudo da Cannabis (Laec), que reúne professores e estudantes de graduação e pós-graduação em variadas áreas da Saúde, Ciências Humanas e Ciências Exatas.
Criada na Universidade Tiradentes (Unit), a partir de um projeto de extensão desenvolvido em 2023, ela começou a funcionar oficialmente em novembro de 2024 e conta hoje com um total de 34 alunos atuantes, mais o suporte de sete orientadores, entre professores, pesquisadores e alunos de doutorado da Unit, da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e outras instituições parceiras. Eles se dedicam a trabalhos relacionados aos estudos sobre a cannabis, como pesquisas científicas, revisões sistemáticas, eventos acadêmicos e atividades de extensão, incluindo cursos e debates que aliam teoria e prática.
O principal objetivo da Liga é desfazer mitos e preconceitos através da ciência, mudando a percepção e a concepção que as pessoas têm sobre a cannabis e ressaltando o potencial medicinal, industrial e biotecnológico da planta, o que já é amplamente reconhecido nos dias de hoje. Um exemplo disso está nos produtos à base de cannabidiol (CBD), um dos compostos da cannabis, que foram desenvolvidos a partir de pesquisas iniciadas na década de 1980 e hoje são autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Eles são aplicados no tratamento de doenças e transtornos graves, como epilepsia, Parkinson, dores crônicas, ansiedade e efeitos colaterais em pacientes submetidos a tratamentos com quimioterapia.
“Em diversos países, seu uso é tratado com naturalidade, sendo explorado de forma ética e responsável para a geração de empregos, desenvolvimento de produtos e avanço da ciência. No entanto, no Brasil, ainda enfrentamos muitos tabus e desinformações que dificultam o entendimento real sobre a Cannabis e suas aplicações. Acreditamos que o ambiente universitário, onde se formam profissionais, pesquisadores e cidadãos críticos, é o espaço ideal para promover esse debate com seriedade, responsabilidade e embasamento científico”, diz o biomédico e pesquisador Ciro Ribeiro Brito Amorim, aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP/Unit) e um dos fundadores da Laec.
O funcionamento da Liga está em conformidade com a Política Estadual de Cannabis spp, regida pela Lei Estadual 9.178/2023, que estabelece regras e diretrizes para a pesquisa, ensino e extensão sobre a cannabis em Sergipe. “Nosso papel é promover o debate acadêmico responsável e baseado em evidências científicas. Também buscamos estimular a formação de profissionais qualificados e engajados com o tema. Assim, a Laec se torna instrumento de aproximação entre universidade, sociedade e poder público. Cumprir a lei é assegurar que nossa atuação seja ética, séria e socialmente relevante”, acrescenta Rafael Barreto Valois, co-fundador da Laec e também aluno de doutorado do PEP/Unit.
Os 34 alunos integrantes da composição atual da Laec são de diferentes cursos e áreas de conhecimento. Os estudantes da Unit são ligados a cursos como Medicina, Enfermagem, Odontologia, Psicologia, Farmácia e Biomedicina. Há ainda alunos das áreas de Medicina Veterinária, Agroecologia e Ciências Biológicas, em instituições como Assim como as outras ligas acadêmicas, a Laec é dividida em diretorias (presidência, vice, secretarias, financeiro, marketing, artística, pesquisa, extensão etc.), sendo cada qual com funções específicas. As reuniões acontecem semanalmente para a discussão e planejamento das atividades.
“A participação dos alunos é intensa e colaborativa. Ela está presente desde a construção de projetos e pesquisas até a organização de eventos e ações de extensão. A Liga acrescenta uma formação mais crítica, interdisciplinar e conectada com a realidade social, preparando os alunos para atuarem com ciência, ética e responsabilidade. Ao trabalharmos com base em evidências científicas e diálogo responsável, conseguimos desconstruir preconceitos e ampliar a compreensão da sociedade sobre a cannabis”, diz a estudante Vitória Pereira Dias, aluna do quarto período de Odontologia e atual presidente da Liga.
Estudos apresentados
Desde a criação da Liga, já foram 11 trabalhos apresentados em jornadas, congressos nacionais e eventos, resultando ainda em 11 publicações em anais de revistas, quatro premiações (duas locais e duas nacionais) e dois artigos em desenvolvimento, bem como na organização de uma mesa-redonda sobre Cannabis na Semana de Extensão da Unit (Semex) e do simpósio “Cannabis sativa: da Semente à Indústria”, entre os dias 29 e 30 de maio. A Laec foi ainda convidada para dois grandes eventos nacionais: o Seminário sobre Maconha no Brasil Contemporâneo, que aconteceu em julho na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); e a ExpoCannabis Brasil, segunda maior feira de Cannabis spp. do mundo, que acontecerá entre 14 e 16 de novembro, em São Paulo (SP).
Para além das apresentações em congressos e eventos, alguns avanços e conclusões obtidas nestas pesquisas e estudos desenvolvidos pela Laec já vêm repercutindo no campo da saúde, oferecendo subsídios científicos que fortalecem práticas clínicas em desenvolvimento, embasando a Política Estadual de Cannabis spp. e apoiando profissionais na compreensão das indicações terapêuticas já regulamentadas pela Anvisa. “Embora não realize prescrição ou aplicação direta de tratamentos, a Liga cumpre um papel estratégico ao qualificar a prática clínica, orientar a implementação de serviços e promover o diálogo entre universidade, sociedade e sistema de saúde, garantindo que o conhecimento produzido se traduza em benefícios concretos para a população”, destaca Ciro Amorim.
Os dois pesquisadores, que estão entre os orientadores da Liga, estão desenvolvendo duas teses de doutorado sobre o desenvolvimento de novos processos e a avaliação de eficácia para substâncias canabinoides. Com orientação do professor-doutor Cláudio Dariva, elas estão sendo realizadas no PEP, mas terão parte dos trabalhos desenvolvidos em doutorado-sanduíche na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), referência nacional em estudos científicos sobre compostos da cannabis. A previsão é de que essas teses sejam concluídas e defendidas até o início de 2027.
Outros detalhes e informações sobre a Liga Acadêmica de Estudo da Cannabis (Laec) podem ser acompanhados em seu perfil oficial no Instagram: @laec_se.
Autor: Gabriel Damásio
Fonte: Asscom Unit