A Câmara Municipal de Aracaju aprovou, em primeira discussão, nessa quinta-feira (18/12), o Projeto de Lei nº 46/2025, que proíbe a contratação, pela administração pública municipal, de shows, artistas e eventos abertos ao público infantojuvenil que envolvam, durante a apresentação, qualquer expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas. A proposta, de autoria do vereador Pastor Diego (União Brasil), foi aprovada em plenário com 10 votos favoráveis, 6 contrários e 2 abstenções, após intenso debate.
O que a lei prevê
O texto aprovado estabelece uma série de medidas para proteger crianças e adolescentes de conteúdos considerados inadequados em eventos promovidos ou apoiados com recursos públicos. Entre as principais determinações, estão:
- Vedação contratual:fica proibido à Prefeitura, às suas secretarias, autarquias e empresas públicas contratar shows ou eventos infantojuvenis que façam apologia ao crime ou às drogas.
- Cláusula obrigatória:todos os contratos artísticos municipais que possam ser acessados por jovens devem conter cláusula expressa proibindo tal apologia.
- Multa severa:o descumprimento da cláusula acarretará a rescisão imediata do contrato e a aplicação de multa equivalente a 100% do valor contratado, recurso que será revertido para o ensino fundamental da rede municipal.
- Responsabilidade compartilhada:o projeto estabelece que pais ou responsáveis são solidariamente responsáveis, juntamente com os organizadores, pela presença de menores em eventos que se enquadrem na proibição, devendo observar a classificação indicativa.
- Amplo apoio proibido:a lei também proíbe o Município de apoiar, patrocinar ou divulgar qualquer evento, ainda que não seja exclusivamente infantojuvenil, que envolva tais expressões.
- Canal de denúncia:qualquer cidadão poderá denunciar violações à Ouvidoria Municipal, e a fiscalização poderá ser realizada pela Guarda Municipal ou, mediante convênio, pela Polícia Militar.
Justificativa do autor
Em sua justificativa, o vereador Pastor Diego (União Brasil) argumentou que o projeto visa garantir o “princípio do melhor interesse da criança e do adolescente” e combater a “adultização infantil”. O parlamentar foi enfático ao afirmar que a proposta não tem como alvo expressões artísticas específicas. “O projeto não está proibindo expressão de rua, o projeto não proíbe hip-hop, o projeto não proíbe rap”, explicou durante a discussão. “O projeto proíbe que, em shows pagos com dinheiro público, haja apologia ao crime organizado ou ao tráfico de drogas, sobretudo em eventos com acesso do público infantojuvenil”, argumentou.
Para reforçar a legitimidade da iniciativa, citou precedentes: “Esse mesmo projeto já foi aprovado em 46 cidades e em 13 estados, como Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais. O projeto busca apenas trazer segurança e cuidado com o uso da verba pública”.
O que falaram os vereadores
O vereador Lúcio Flávio (PL) foi um dos primeiros a subscrever e elogiar a proposta. “Aqui é uma Casa de Leis, que defende o ordenamento jurídico. Precisamos nos opor ao que é fora da lei, especialmente quando envolve recursos públicos e expõe crianças e adolescentes”, afirmou. Em resposta às acusações de censura, argumentou: "Censura é quando você diz que nenhum cantor nunca mais vai cantar isso. Não é isso que a lei diz. A lei orienta para que não aconteça com dinheiro público”.
O presidente da Casa, Ricardo Vasconcelos (PSD), ponderou sobre os limites. “Nenhum desses rappers que falam do cotidiano tem problema. Agora, palavras que expressam ódio, violência ou apologia ao crime não podem ser aceitas”, exemplificou, defendendo a aplicação da lei a qualquer gênero musical que viole os parâmetros estabelecidos.
O vereador Fábio Meireles (PDT) reforçou o caráter preventivo: “O que a lei está tentando colocar aqui é preventivamente. Para o que pode ser de ruim, a gente tem que se antecipar mesmo. Estamos tratando das nossas crianças e dos nossos jovens”, falou.
A bancada de oposição apresentou objeções com base em princípios constitucionais e no impacto sobre a cultura local. A vereadora Professora Sonia Meire (PSOL) relembrou que recentemente realizou audiência pública para discutir culturas periféricas. “O projeto expressa uma preocupação antes mesmo de o fato acontecer, partindo do pressuposto de que pessoas que realizam espetáculos para crianças cometeriam crimes. Isso configura uma forma de censura antecipada”, afirmou.
A parlamentar leu trecho de uma letra de rap que aborda a falta de moradia e questionou: “Isso pode ser interpretado como apologia ao crime? Isso é censura à liberdade de expressão”. Para ela, o projeto parte de uma “boa intenção”, mas pode “seguir o caminho do cerceamento da liberdade artística”.
O vereador Iran Barbosa (PSOL) apresentou crítica de natureza jurídica. Argumentou que a administração pública já é regida pelo princípio da legalidade e que a apologia ao crime já é tipificada no Código Penal. “Essa lei não traz novidade, a não ser a possibilidade de tentativa de enquadrar previamente determinados shows nessa condição. Esse é o problema”, alertou. Ele também questionou a amplitude do termo “drogas”, que poderia, em tese, incluir substâncias lícitas, como bebidas alcoólicas, comuns em patrocínios de eventos públicos.
O vereador Camilo Daniel (PT) lamentou o foco do debate. “É lamentável que, em vez de discutirmos temas relevantes para a cidade, passemos mais de uma hora debatendo algo que considero pura censura à cultura do nosso povo, especialmente das periferias”, afirmou. Segundo ele, a Câmara deveria fomentar, e não restringir, as expressões culturais existentes. “Nunca vi isso aqui em Aracaju. Ao contrário, temos manifestações culturais que já são historicamente podadas”.
Fonte: Câmara de Vereadores de Aracaju




