O médico sanitarista Claudio Maierovitch, da Fiocruz de Brasília, diz que a testagem no Brasil não tem servido para controle da doença, ou seja, para isolar as pessoas, orientar sobre a quarentena ou qualquer outra estratégia de vigilância.
"A testagem está servindo apenas para contabilidade. Aquilo que a gente espera da vigilância em saúde ou da vigilância epidemiológica está se resumindo à contagem de casos. Se não serve para nada, é mais um motivo para as pessoas não se preocuparem em notificar. Se a informação não é útil, as pessoas deixam de alimentar o banco. Isso acontece em vários sistemas de informação", diz Maierovitch, que já presidiu a Anvisa e foi diretor de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde.
Os especialistas explicam que uma boa política de testes, como a adotada no Reino Unido e na Alemanha, envolve a testagem assistencial (de pessoas com sintomas ou que tiveram contato com alguém doente), amostral (para identificar assintomáticos) e a de vigilância genômica (para identificar variantes). "Em cada uma das três o Brasil é um fracasso", resume Hallal.
Para Wallace Casaca, coordenador do Info Tracker, sem os dados de infectados, o Brasil administra a pandemia às cegas e, por isso, não consegue adotar medidas para evitar a cadeia de transmissão do vírus.
"Não há uma visão fidedigna do vírus no país e só conseguimos entender o tamanho do problema quando explodem os dados de internação e óbito, que é quando há muito pouco a fazer", diz.
Para o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da USP, a subnotificação é mais um capítulo das coisas mal explicadas da gestão da pandemia de Covid no Brasil. "Onde estão os números?"
Uma exigência do Ministério da Saúde também pode explicar parte da subnotificação de casos. Desde agosto de 2021, a pasta passou a pedir a inclusão do número de lote e do nome do fabricante dos testes de antígeno para a notificação dos casos identificados por meio deles na plataforma e-SUS Notifica.
Desde então, a quantidade de resultados positivos e negativos provenientes desses testes sofreu uma queda abrupta. O efeito da nova regra atinge principalmente o registro dos casos sintomáticos leves e que podem ajudar a entender a transmissão do coronavírus.
Sergio Mena Barreto, presidente da Abrafarma (associação das grandes redes de drogarias, onde são ofertados os testes rápidos de antígeno), diz que as unidades nunca deixaram de enviar as notificações, mas encontram dificuldade para o registro por falta de padronização no país.
"Somos obrigados a enviar as notificações, mas não sabemos como essas informações são processadas, já que cada município e estado tem regras diferentes. Em alguns locais, devemos informar à autoridade sanitária do município ou ao estado, outros liberam diretamente ao Ministério da Saúde. O Brasil tem uma colcha de retalhos dessa regra e não sabemos qual o tratamento que se dá aos dados desses testes", diz.
Segundo dados da associação, somente nesta quinta-feira (13), as farmácias do país realizaram 86 mil testes de Covid, com uma positividade de 39,25%, o que significa a identificação de 33.755 infecções. O número representaria 30% dos casos contabilizados oficialmente pelos estados. No entanto, não é possível saber se esses dados estão de fato dentro dos registros oficiais.
COMO É FEITA A NOTIFICAÇÃO DE CASOS POSITIVOS NO BRASIL?
- Desde abril de 2020, laboratórios públicos e privados são obrigados a notificar o Ministério da Saúde de todos os resultados de testes de diagnóstico de Covid em até 24 horas;
- Devem ser notificados todos os resultados de testes, sejam positivos, negativos ou inconclusivos;
- A notificação compulsória vale para qualquer que seja a metodologia de testagem utilizada, testes rápidos de antígeno, RT-PCR ou os de anticorpos, como o IgM e IgC;
- A portaria do Ministério da Saúde, que regulamenta a regra, diz que os "exames laboratoriais feitos pelos laboratórios privados devem ser disponibilizados para os gestores locais do SUS para atualização e conclusão da investigação. O texto não deixa claro a quem esses resultados devem ser enviados, nem como os gestores locais devem tratar esses dados
- Desde então, cada estado e município interpretou a regra à sua maneira, o que impediu a padronização do encaminhamento dos testes feitos na rede privada do país
- Segundo a Abrafarma, há municípios que autorizam as drogarias e laboratórios a fazer a notificação direto à RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde), plataforma do Ministério da Saúde criada em maio de 2020 para coletar os dados de Covid. Outros, no entanto, exigem que a notificação seja feita à vigilância sanitária municipal
- Há casos em que os municípios disponibilizam link para a notificação digital, mas há casos em que as notificações ocorrem de forma manual. Há ainda a falta de padronização sobre o tipo de dado a enviar. Alguns municípios, por exemplo, só aceitam receber informações sobre testes positivos