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Cotidiano

Acesso à Justiça avança com tecnologia e inclusão, mas lentidão ainda preocupa

Dados do CNJ apontam que a tramitação média de processos ultrapassa dois anos; professor da Unit defende mais investimentos e a modernização das leis e códigos.

Por Redação Sergipe Notícias Publicado em 04/11/2025 às 09:11
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Acesso à Justiça avança com tecnologia e inclusão, mas lentidão ainda preocupa

Um dos principais desafios do Poder Judiciário no Brasil é garantir um acesso maior, melhor e mais fácil da população ao seu sistema de Justiça, e conforme está claramente garantido pela Constituição Federal. Ele se traduz em dados como os do painel Justiça em Números, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com dados estatísticos e informações sobre todas as instâncias da Justiça no Brasil. Ele mostra que, até 30 de setembro deste ano, as varas e tribunais receberam mais de 29,6 milhões de novos processos judiciais para tramitação, ao passo em que julgaram outros 33,4 milhões e deram baixa em outros 34,1 milhões. Por outro lado, ainda restavam outros 75,3 milhões de processos pendentes, ou seja, em tramitação ou aguardando julgamento. A maioria dos casos se concentra nas Justiças Estaduais, que respondem pela administração das varas e comarcas de primeira instância. 

De acordo com o juiz de Direito e professor Manoel Costa Neto, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit),muitas destas demandas que chegam aos tribunais se desdobram de conflitos nas relações de consumo, brigas e desentendimentos entre vizinhos, parentes e desconhecidos. “Em tempos passados, essas questiúnculas sociais costumavam ser mediados ou resolvidos pelos delegados de polícia. Hoje, nós aliviamos um pouco o trabalho dos delegados honrados, que diante do aumento da criminalidade, estão trabalhando muito mais para impedir que se faça uma justiça, podemos assim dizer, em uma sede que não é a própria”, esclarece.

Costa Neto cita ainda a existência de juizados especiais em todos os municípios, que podem acolher ações de até 20 salários mínimos, nas quais os postulantes não precisam ter necessariamente ter um advogado. Ele evoca ainda a necessidade de uma maior e melhor estruturação das Defensorias Públicas dos Estados e da União, ampliando o acesso dos menos favorecidos, através da realização de concursos públicos. 

 

Mas outra questão posta ao Judiciário diz respeito à rapidez (ou lentidão) da tramitação dos processos judiciais. O mesmo painel de estatísticas do CNJ apontou que, até 30 de setembro, o tempo médio de tramitação entre o início do processo e o primeiro julgamento era de 871 dias (cerca de 2 anos e 4 meses). Até a primeira baixa, que é a suspensão ou arquivamento do processo, o tempo sobe para 955 dias (2 anos e 6 meses. E se contado o tempo médio dos processos pendentes, aguardando julgamentos ou conclusões, ele pode superar a marca dos 3 anos, variando entre 1.041 e 1.365 dias. Isto sem contar as possibilidades de recursos em outras instâncias. 

Com base nestes dados, Costa Neto ressalta que o simples acesso à justiça não é o suficiente. “É preciso que se assegure o acesso à justiça justa. Ou seja, àquela justiça que consiga ter efetividade em pouco tempo, porque ‘a justiça tardia é injustiça qualificada com a parcimônia do Estado’”, observa ele, citando a frase do jurista baiano Rui Barbosa (1849-1923). 

 

Mais investimentos 

Ao responder sobre os motivos da demora nos processos judiciais, o professor apontou dois fatores: a desatualização de leis e códigos em vigor no Brasil, a exemplo do Código de Processo Penal (de 1941) e do Código de Processo do Trabalho (de 1942); e a histórica falta de investimentos em estrutura e pessoal no Poder Judiciário. Ele citou como exemplo a realidade que enfrentou no começo de sua carreira como magistrado, ao início da década de 1980. 

“Durante muitas décadas, não se investiu no Judiciário, porque ele seria um estorvo para o próprio poder público. Em Sergipe, que é justamente onde eu atuo, vejo que o próprio Tribunal de Justiça teve investimentos sérios somente nos últimos 30 ou 40 anos, porque tudo era muito provisório. Eram utilizadas dependências de prefeituras e câmaras de vereadores, casas mal cuidadas. Pouco a pouco os investimentos foram vindo até em tecnologia. Nós não tínhamos sequer uma máquina [de escrever] elétrica”, lembra o professor, citando ainda a necessidade de mais investimento em quadros de servidores, magistrados, estruturas, tecnologia, e otimização de leis processuais.   

Estes investimentos em tecnologia vêm caminhando em conjunto com os avanços tecnológicos de sistemas, plataformas e comunicações, que vêm garantindo uma maior celeridade nos processos. Eles se apresentam na forma dos Processos Eletrônicos e de programas como o Justiça 4.0, do próprio CNJ, que promove soluções digitais colaborativas para automatizar as atividades dos tribunais e otimizar o trabalho dos magistrados, servidores e advogados. Outras soluções vêm sendo implementadas nos tribunais estaduais ou mesmo se impõem pela própria dinâmica de comunicação on-line aperfeiçoada durante a pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2022. 

“A pandemia para o Judiciário foi uma forma de aguçar todo o serviço. Nós temos hoje citações feitas por WhatsApp, porque hoje quase todo mundo tem um celular e acessa redes sociais. Nós temos citações que podem ser feitas inclusive por via eletrônica, por cadastramento de empresas, e isso facilita demais. Do ponto de vista do acesso, o processo eletrônico tirou aquela ideia daquele amontoado de papel. Hoje, simplesmente com um tablet na mão, você abre e até o próprio juiz pode despachar e sentenciar de uma forma muito mais célere e rápida em qualquer ambiente. O acesso do jurisdicionado é muito melhor, pois ele pode peticionar e formular seus requerimentos a qualquer hora do dia ou da noite”, elencou o professor, referindo-se ainda às audiências e sessões virtuais, realizadas por conferências e chamadas de vídeo. 

 

Sem juridiquês, por favor!

A maior amplidão do acesso à Justiça também vem sendo buscada através da linguagem adotada nos processos e nos ritos judiciais. Uma das maiores reclamações da população é a adoção do chamado “juridiquês”, que é o termo usado para apelidar a linguagem excessivamente técnica, rebuscada e com jargões jurídicos, muitas vezes de difícil para o público leigo. Em 2005, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) lançou uma campanha de simplificação da linguagem judicial, buscando facilitar o acesso da população em geral ao conteúdo de cada informação. essa campanha resultou na publicação da cartilha “Justiça ao Alcance de Todos". 

Esta regra passou a ser incorporada ao Código de Processo Civil, em sua reforma de 2015. “O parágrafo primeiro do artigo 489 traz claramente que o juiz hoje não é obrigado simplesmente a justificar suas premissas, seu raciocínio, mas é obrigado a explicar. O jurisdicionado tem direito de saber o que está sendo julgado e como está sendo julgado. Ou seja, isso evitaria questões como a recorribilidade excessiva, ou mesmo os famosos ‘embargos de declaração’ que tanto retardam a prestação jurisdicional. Ora, escrever difícil é fácil. O difícil é escrever fácil”, observou Costa Neto.

Uma terceira iniciativa, mais recente, foi adotada pelo STF, durante a presidência do ministro Luís Roberto Barroso, que se aposentou em 19 de outubro. Ao assumir, em 2023, ele estabeleceu o “Pacto Nacional pela Linguagem Simples”, que inclui medidas como a padronização de ementas e a emissão, para a imprensa e pelos canais de comunicação da Justiça, de boletins explicativos sobre cada decisão expedida pelo Supremo, com linguagem simples e de fácil compreensão do grande público. 

 

Autor: Gabriel Damásio

Fonte: Asscom Unit

 

Sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília: medidas e investimentos para ampliar acesso da população à Justiça (Wallace Martins/STF)

 

Mutirão de atendimento promovido pela Defensoria Pública de Sergipe, em Aracaju: assistência gratuita garantida em lei aos menos favorecidos (Divulgação/Defensoria Pública-SE)

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