Independência do Brasil: reflexão sobre limites, símbolos e memória histórica
Mais de dois séculos depois, celebrações e discursos oficiais contrastam com a complexidade do processo que resultou na separação de Portugal

Como se deu a independência do Brasil? Foi realmente um gesto heróico de D. Pedro I ou o resultado de pressões políticas e econômicas? Ou ainda, uma ação planejada pelas elites para preservar seus privilégios? E o que realmente mudou para a população da época, especialmente para os mais pobres e escravizados? Essas perguntas desafiam a narrativa tradicional do “Grito do Ipiranga” e estimulam uma análise crítica do 7 de setembro, mostrando que compreender a independência exige ir além do simbolismo e das comemorações oficiais.
Segundo o professor da Universidade Tiradentes (Unit), Rony Silva, a independência brasileira não pode ser entendida como um evento isolado ou apenas heroico. “O que chamamos de independência decorreu de uma série de fatores, como a chegada da Corte portuguesa em 1808, a abertura dos portos, a elevação do Brasil a Reino Unido em 1815 e a pressão das Cortes de Lisboa. Tudo isso criou um cenário em que as elites conduziram a ruptura garantindo a manutenção de seus privilégios e do sistema escravista”, explica.
O professor observa que, apesar do simbolismo do Grito do Ipiranga, a ação de D. Pedro I fez parte de um movimento mais amplo, que envolveu figuras como José Bonifácio, Maria Leopoldina e Joaquim Gonçalves Ledo. “O episódio funciona como marco simbólico, mas a independência foi um processo gradual, permeado por negociações políticas e estratégias de poder”, contextualiza.
Entre continuidade e mudança
A historiadora Lilia Moritz Schwarcz, em O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro, apresenta a independência de 1822 como um processo de “continuidade na mudança”, caracterizado por uma transição conservadora que manteve as estruturas sociais e políticas existentes. Schwarcz analisa a construção do Sete de Setembro como símbolo da emancipação política, destacando a participação de diferentes regiões e atores. Ela critica a versão oficial, que apresenta a independência como ruptura radical, argumentando que essa narrativa oculta episódios importantes e reforça uma história ainda muito europeia, pacífica, masculina e homogênea.
Rony enfatiza que a independência também foi construída como projeto pedagógico. “Intelectuais e educadores da época utilizaram a educação para consolidar ideais de nação e cidadania, promovendo uma visão oficial da história brasileira. Esse processo envolveu a seleção de conteúdos que reforçavam valores e símbolos nacionais, muitas vezes em detrimento de outras narrativas regionais, fazendo da educação uma ferramenta estratégica para moldar as gerações futuras segundo os interesses das elites dominantes”, explica.
Embora a transição brasileira tenha sido relativamente pacífica em comparação a outros países da América Latina, houve resistência em algumas províncias, como Bahia e Grão-Pará. “A narrativa da independência, construída por meio da educação e da cultura política, ajudou a formar uma identidade nacional que frequentemente mascarava desigualdades e o fato de que a vida da maior parte da população, sobretudo os escravizados, pouco mudou de imediato”, acrescenta Rony Silva.
Aspectos econômicos e sociais
A independência também refletiu interesses econômicos. A elite agrária e urbana buscava maior autonomia para administrar a economia e negociar diretamente com o exterior, especialmente após a abertura dos portos em 1808. “Para a elite, a independência significou manter a ordem social e preservar o modelo escravocrata, consolidando seu poder político e econômico. Para a população mais pobre e escravizada, as mudanças foram quase imperceptíveis”, destaca o professor.
Mais de 200 anos depois, o 7 de setembro se apresenta também como oportunidade de reflexão. Para Silva, o ensino da independência nas escolas deve contemplar os limites do processo histórico e as contradições sociais que permanecem. “Revisitar a memória da independência é essencial para formar cidadãos críticos, que compreendam que os símbolos nacionais têm múltiplas interpretações e que a história oficial muitas vezes oculta conflitos e desigualdades”, afirma.
O debate sobre o significado da independência envolve ainda a forma como ela é lembrada em celebrações públicas, desfiles e livros didáticos, geralmente centrados no heroísmo de D. Pedro I e de poucas figuras da elite política, sem considerar os impactos para escravizados, indígenas e populações periféricas. “Não se trata apenas de questionar o passado, mas de usar esse conhecimento para refletir sobre o presente e contribuir para a formação de uma sociedade mais consciente e democrática”, conclui Silva.
Por: Laís Marques
Fonte: Asscom Unit
Foto: Independência ou Morte, de Pedro Américo, 1888 (Foto: Reprodução Google Arts & Culture/Acervo do Museu Paulista (São Paulo, SP)
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