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Forma de resolução de conflitos adotada pelos xokós é tema de pesquisa

Estudo da Unit revela como a maior comunidade indígena de Sergipe lida com conflitos por meio do diálogo, dos conselhos e da sabedoria ancestral, com diferenças e semelhanças em relação à justiça tradicional

Por Redação Sergipe Notícias Publicado em 05/10/2025 às 05:25
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Forma de resolução de conflitos adotada pelos xokós é tema de pesquisa

As formas de justiça e resolução de conflitos adotadas em comunidades tradicionais, como as indígenas e quilombolas, podem acrescentar semelhanças e diferenças com os sistemas legais vigentes, apontando caminhos para seu aperfeiçoamento. A provocação neste sentido vem de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (PPGD/Unit). O estudo do advogado e pesquisador Bruno Teixeira Lins, aluno de doutorado do programa, debruçou-se sobre o povo indígena Xokó, o maior e principal de Sergipe, e identificou como os integrantes desta comunidade se organizam para solucionar conflitos e até mesmo punir transgressões. 

A pesquisa foi realizada por cerca de um ano, com orientação do professor Fran Espinoza, do PPGD, e apoio da estudante Maria Luiza de Andrade Conceição, do sexto período de Direito, que participou como voluntária de iniciação científica. Ele conta que o projeto começou como um estudo pessoal e evoluiu para um projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A pesquisa também fez parte do programa Laboratório Social, realizado pelo PPGD/Unit em parceria com as universidades de Deusto e de Valladolid, ambas na Espanha. 

O levantamento de informações aconteceu entre setembro de 2024 e março de 2025, através de entrevistas com lideranças e visitas ao Território Xokó, na Ilha de São Pedro, em Porto da Folha. “Nosso objetivo foi tentar compreender tanto o processo ritual, ou seja, o procedimento pelo qual eles resolvem conflitos, quanto o que eles entendem por conflitos e a maneira pela qual eles punem transgressões internamente na aldeia”, resume Bruno, explicando que estas formas de resolução passam pela forma sob a qual cada comunidade está organizada. 

No caso dos Xokó, essa organização passa pela existência de um conselho de líderes formado pelas pessoas mais experientes da comunidade. “Existem as lideranças que são os primeiros alvos do conflito, ou seja, eles recebem a questão primeiramente, depois há os conselhos que são formados para essa resolução especificamente, caso a ajuda seja necessária. Quando é um caso de difícil resolução, eles já estendem para a Assembleia Geral para poder decidir. Esse formato não é fixo, ele é alternado conforme a gravidade e a natureza do conflito”, detalha Lins. 

A depender da decisão tomada, o provocador do conflito pode receber punições que vão desde uma simples advertência até a expulsão do convívio com a comunidade. Mas estas decisões são bastante discutidas e ponderadas, tanto pelos líderes quanto pela assembleia xokó.  “Para eles, primeiramente, o conflito se vai resolver a partir do diálogo e não a partir da punição. Primeiro, vão conversar entre eles e ver de que forma tentam minimizar o impacto de um problema ou conflito dentro da comunidade. Eles têm um conselho e, a partir desse conselho, decidem”, acrescenta Espinoza, frisando que, mesmo após a punição, existe a preocupação dos líderes em apoiar a pessoa punida através de suas redes existentes para que ela não sofra com problemas de depressão, tristeza e alcoolismo.

Visões diferentes de mundo

Tanto o autor quanto o orientador da pesquisa acreditam que os sistemas comunitários de justiça e de resolução de conflitos têm muito a agregar aos atuais sistemas vigentes nas sociedades ocidentais, como a brasileira, sobretudo em razão da sabedoria ancestral e das diferentes visões de mundo. A ideia acompanha o que é defendido desde o início deste século por uma corrente jurídica da América Latina: a validade da justiça das comunidades indígenas e de suas decisões como iguais à justiça do Estado. Isso já é reconhecido nas constituições da Bolívia e do Equador, e chegou a ser apresentado no Chile, em uma proposta de Constituição que acabou rejeitada em plebiscito. 

Bruno Lins afirma que a idéia do estudo, sob a luz da antropologia jurídica, é comparar as maneiras pelas quais os estados e as comunidades resolvem seus conflitos, estabelecendo um diálogo entre elas e compreendendo suas semelhanças e diferenças. “A nossa cultura jurídica no Brasil é muito monista, ou seja, foca sempre na visão da justiça do Estado como a única forma válida de resolução de conflitos, e todo o resto entra na marginalidade. Só que o que a gente vê na realidade sociológica é que há uma ampla gama de formas de resolução de conflitos que existem independente do Estado e que não são observadas, são sempre colocadas à margem, essas epistemologias são sempre legadas a um esquecimento”, observa o pesquisador. 

A pesquisa com os Xokó foi apresentada no último dia 19, em uma palestra do Ciclo de Debates sobre Direitos Humanos na América Latina, promovido na Unit para os alunos de pós-graduação do PPGD. Fran Espinoza diz que trazer o tema para os estudantes é fazer com que eles conheçam tanto a história e a existência dos povos originários de Sergipe quanto as formas existentes de justiça em comunidades tradicionais. “É importante trabalhar a comunidade Xokó no contexto universitário e dos direitos humanos. Primeiro, porque muitos nem sabem que existe uma comunidade indígena aqui em Sergipe. Depois, é importante debater os mecanismos de justiça na comunidade Xokó, porque queremos também que os alunos de Direito conheçam outras formas de resolução do conflito, que podem ser formas alternativas adotadas em qualquer tipo de comunidade”, destacou Fran. 

O trabalho já foi publicado como um capítulo do livro Povos e comunidades tradicionais na América Latina análises e desafios atuais, organizado pelo PPGD e lançado em março deste ano pela Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe (Edise), e ainda em um artigo científico publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFG (Universidade Federal de Goiás). Agora, ela está sendo ampliada por Bruno, que além do doutorado na Unit, está concluindo um mestrado em Antropologia na Universidade Federal de Sergipe (UFS). 

 

Autor: Gabriel Damásio

Fonte: Asscom Unit

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