Cuidadora de Santo Amaro das Brotas é apontada como laranja em esquema bilionário

Mulher de 31 anos, com salário de R$ 1.428, aparece como sócia de 18 empresas ligadas à Operação Carbono Oculto

Publicado em 31/08/2025 às 19:55

Uma cuidadora, de 31 anos, que ganha R$ 1.428 por mês, é apontada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) como uma provável laranja no esquema bilionário no setor dos combustíveis, que foi alvo da Operação Carbono Oculto, deflagrada nessa quinta-feira (28/8).

Ellen Bianca de Franca Santana Resende é moradora de Santo Amaro de Brotas, em Sergipe. Segundo os promotores, o município de 11 mil habitantes teria pelo menos cinco pessoas com diversas empresas de fachada registradas em seus nomes.

A cuidadora foi sócia de 18 empresas. Dezessete delas foram transferidas, a partir de julho de 2023, para Maria Edenize Gomes, sua vizinha. Atualmente, Ellen é apenas sócia da Auto Serviços Vila Fátima, um posto de combustível da Rede Boxter, inativa na Receita Federal (RF) desde 2024.

Entre as empresas das quais a cuidadora esteve no quadro societário, está a Dubai Administração de Bens, que pertencia a Tarik Ahmad Mourad, sobrinho de Mohamad Hussein Mourad, apontado como o principal articulador do esquema.

“Não restam dúvidas de que Ellen foi utilizada como pessoa interposta por Mohamad para a composição do quadro societário da empresa”, disseram os promotores do Gaeco.

A mulher também foi sócia da BR Offices, um coworking localizado no condomínio Nasa Business, em Goiânia, a mais de 1,8 mil quilômetros de Santo Amaro de Brotas. Ellen ainda participou da sociedade de 10 postos de gasolina: cinco da Rodoil, quatro da Rede Petromina e um de marca não identificada.

A vizinha de Ellen, Maria Edenize, chegou a ser sócia de 70 empresas. Atualmente, 33 constam em seu nome.

Além das empresas Dubai Administração de Bens e a Usina Goias, transmitidas por Ellen, ela foi sócia de 59 companhias em que o nome contém “suporte administrativo” ou “serviços administrativos”, estando todas cadastradas em endereços de postos de combustíveis, conforme alguns exemplos mostrados abaixo.

Mohamad, o primo

Mohamad Hussein Mourad, o “primo” ou “João”, ligado ao grupo Aster/Copape, foi descrito pelo MPSP como o “epicentro das operações”. As investigações apontam que ele chefiava a organização que utilizava empresas do setor para fraudes fiscais, ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. Ele teria formado uma rede criminosa com parentes, sócios e profissionais cooptados.

Em junho, ele foi denunciado por sonegação de impostos e adulteração de bombas nos postos para obter lucros milionários. Segundo os promotores, o grupo comandado por ele expandiu sua atuação e passou a atuar em toda a cadeia produtiva desse setor, inclusive na compra de usinas de etanol, com intimidação de fazendeiros para venderam suas propriedades.

“Mohamad é tido como uma pessoa centralizadora, que fica à frente de seus negócios e não tem habito de delegar funções estratégicas, Mohamad tanto negocia operações de alto valor financeiro como também é quem efetiva muitas das tarefas do dia a dia da produção
do açúcar e álcool nas Usinas”, afirmam os promotores.

Empresas de fachada

De acordo com o promotor João Paulo Gabriel, do Gaeco de Ribeirão Preto, um único morador da cidade de Santo Amaro de Brotas teria 100 empresas de fachada em seu nome.

“Estamos falando de uma investigação que fez um levantamento de mais de 700 empresas. Fizemos um pente fino, porque a rede é muito grande. Numa pequena cidade de Sergipe, município de 10 mil habitantes, temos cinco pessoas dessa cidade, que têm trabalhos, atividades, inclusive sociais, que são gestoras de empresas com fundos bilionários. Uma delas, inclusive, tem uma centena de empresas no nome”, disse João Paulo Gabriel.

“Então, é um grupo que usa amplamente a constituição de empresas, shell companies, para a blindagem. Então é difícil quantificar. Só com o mapeamento que fizemos nessa vertente levantamos mais de 700 empresas”, acrescentou.

De acordo com a Promotoria, pelo menos 40 fundos seriam administrados pelo crime organizado para ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro. Entre as administradoras citadas na investigação estão gigantes, como a Reag, a Genial, a Trustee e a Buriti. A lista inclui ainda nomes como Altinvest, Banvox, BFL, Monetar, Finaxis e Positiva.

Foram alvos da operação três tipos de fundo: imobiliários, multimercados e de investimento. Todos fechados, ou seja, com número fixo de cotas, que não aceitam o ingresso de investidores depois do período inicial de captação.

As investigações apontam que a organização criminosa utilizava uma cadeia de fundos de investimentos com acionista único para blindar o patrimônio. A primeira etapa da operação seria realizada por fintechs, abreviação do termo em inglês “financial technology”. Elas eram responsáveis pela “bancarização” do dinheiro de origem ilegal.

Porta de entrada

Nesse caso, recursos obtidos de forma fraudulenta eram depositados em bancos comerciais, que serviram de porta de entrada para o estratagema montado. O dinheiro, entretanto, ia para contas das fintechs, nas quais os bancos e nem sequer a Receita Federal conseguem identificar quem são seus usuários.

Uma vez dentro do sistema, relata Marcia Meng, esse dinheiro ilegal era transferido para uma gestora, que fazia a aplicação nos fundos. Estes também eram usados para a ocultação do patrimônio dos envolvidos no suposto grupo criminoso e para garantir a rentabilidade das quantias acumuladas.

Veja a lista completa de fundos citados na investigação:

Gerenciados pela Reag

  • Mabruk II FIDC NP, também conhecido como RHODONITE FIDC NP (CNPJ 41.776.416/0001-83);
  • Celebration FIP Multiestratégia (CNPJ 45.616.048/0001-67);
  • Reag High Yield FIDC (CNPJ 45.703.173/0001-04);
  • Los Angeles 01 FII, atual Lucerna FIIs (CNPJ 41.776.296/0001-14);
  • Derby 44 FIM Crédito Privado, também conhecido como Wels FIM Crédito Privado Ltda. (CNPJ 41.200.067/0001-57);
  • Gold Style FIDC NP (CNPJ 34.081.900/0001-22);
  • Hans 95 FIM Exterior – Crédito Privado, também conhecido como Terra IV FIM Exterior (CNPJ 32.088.041/0001-78);
  • Olaf 95 FIM Crédito Privado (CNPJ 32.033.283/0001-64);
  • Novo FIM Crédito Privado, também conhecido como Reag Leeds FIM Crédito Privado (CNPJ 35.741.193/0001-16);
  • Anna FIC FIDC NP (CNPJ 53.273.475/0001-18);
  • Reag Growth 95 FIM Crédito Privado (CNPJ 36.671.706/0001-22).

Gerenciados pela AltInvest

  • Celebration FIP Multiestratégia (CNPJ 45.616.048/0001-67);
  • Zurich FIP Multiestratégia (CNPJ 49.891.405/0001-56);
  • Pompeia FIP Multiestratégia (CNPJ 51.867.975/0001-52);
  • New Hampshire FIP Multiestratégia (CNPJ 52.508.449/0001-69);
  • Participation FIP em Cadeias Produtivas Agroindustriais FIAGRO (CNPJ 51.305.151/0001-99);
  • Londrina FIP Multiestratégia (CNPJ 51.659.744/0001-53);
  • Salinas FIP Multiestratégia (CNPJ 54.363.712/0001-02);
  • Keros FIP Multiestratégia (CNPJ 51.373.701/0001-07);
  • Start FIP Multiestratégia (CNPJ 51.372.925/0001-02);
  • Ragusa FIP Multiestratégia (CNPJ 57.189.064/0001-08)

Gerenciados pela Trustee/Banvox

  • Pegasus FIP Multiestratégia (CNPJ 49.871.188/0001-32);
  • FII Enseada (CNPJ 51.381.999/0001-05);
  • FII Vancouver (CNPJ 51.407.683/0001-37);
  • FII Ruby Green (CNPJ 50.940.230/0001-09);
  • FII Green Eagle (CNPJ 50.939.923/0001-81);
  • Bucarest FII (CNPJ 54.275.309/0001-13);
  • Arion FII (CNPJ 56.073.063/0001-22);
  • Minesotta FII (CNPJ 51.226.569/0001-00);
  • Olimpia FIM Crédito Privado (CNPJ 48.979.846/0001-41);
  • Pinheiros FII (CNPJ 48.984.698/0001-53);
  • Olsen FII Ltda. (CNPJ 51.672.980/0001-00);
  • Paraibuna FIP Multiestratégia (CNPJ 35.809.000/0001-11);
  • FII Toronto (CNPJ 51.416.131/0001-95);
  • Los Angeles 01 FII, atual LUCERNA FIIs (CNPJ 41.776.296/0001-14).

Ligados à BFL Administradora de Recursos

  • Location FIP Multiestratégia (CNPJ 29.253.741/0001-66);
  • Locar FIP Multiestratégia (CNPJ 51.901.711/0001-78).

Ligados à Portos

  • Zeus FIDC (CNPJ 34.691.362/0001-98);
  • Administradora: ACTUAL DTVM S.A. (CNPJ 44.782.130/0001-07);
  • Gestora: Ello Gestora de Recursos Ltda. (CNPJ 41.992.770/0001-45);
  • Brazil Special Opportunities Fund I FIM Crédito Privado Ltda. (CNPJ 34.781.329/0001-59);
  • Administradora: Libertas Asset S/A (CNPJ 32.764.855/0001-85);
  • Atena FIP Multiestratégia (CNPJ 48.038.359/0001-84);
  • Administradora: Libertas Asset S/A;
  • Ethereal FIP Multiestratégia (CNPJ 37.887.249/0001-70).

Outros fundos mencionados

  • Radford FIM Crédito Privado Ltda. (CNPJ 55.951.226/0001-60); Administrador: Banco Genial S.A. (CNPJ 45.246.410/0001-55);
  • Plural Tesouro Selic FIRF Simples (CNPJ 33.270.063/0001-17);
  • GAD II FIDC NP ( CNPJ 51.067.723/0001-49); Administradora: Monetar DTVM Ltda.
  • GAD III FIDC NP (CNPJ 51.143.232/0001-30); Gestora: Buriti Investimentos Gestora de Recursos Ltda.
  • BlackPartners Miruna FIDC NP (CNPJ 17.093.144/0001-32); Administradora: Finaxis Corretora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
  • Sustineri Germinare FIDC IS (CNPJ 50.589.310/0001-61); Gestora: Positiva Investimentos Ltda.
  • Saint Martin FIP Multiestratégia (CNPJ 53.215.254/0001-93);
  • Euv Denali FIP Multiestratégia (CNPJ 43.953.460/0001-47);
  • JNC FIP Capital Semente (CNPJ 23.838.494/0001-83).

O que dizem as gestoras citadas na investigação

A Reag, que foi alvo de busca e apreensão, divulgou fato relevante ao mercado, no qual afirmou que “está colaborando integralmente com as autoridades competentes, fornecendo as informações e documentos solicitados”. Ela disse ainda que permanecerá à “disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários”.

O Banco Genial disse que “sempre conduziu suas atividades com base nos mais elevados padrões de governança corporativa, ética e compliance regulatório, em estrita observância à legislação e regulamentação aplicáveis”. E acrescentou: “Reiteramos que estamos inteiramente à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários. Ao mesmo tempo, repudiamos de forma veemente qualquer ilação infundada que possa macular a reputação da instituição e seus colaboradores.”

A Trustee DTVM disse que renunciou à administração de todos os fundos citados na investigação antes de a operação desta quinta-feira ter sido deflagrada. Segundo a gestora isso ocorreu “por decisão da área de compliance, por desconformidade de atualização cadastral identificada há alguns meses”.

A Buriti afirmou que não foi notificada, convocada para depoimento e nem sequer alvo de nenhum mandado de busca e apreensão da Operação Carbono Oculto. “A empresa tomou conhecimento do tema por meio da imprensa e não tem conhecimento sobre qualquer procedimento investigativo que a envolva, direta ou indiretamente. A Buriti reforça seu compromisso com a ética, a governança corporativa e o compliance e reitera que está inteiramente à disposição das autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos necessários.”

A Finaxis, em nota, afirmou que manifestava “indignação diante das ilações veiculadas em notícias relacionadas à operação. Ela acrescentou que tomou conhecimento do caso por meio da imprensa e não havia sido “citada em qualquer procedimento investigativo, tampouco recebeu qualquer notificação oficial que a envolva, direta ou indiretamente”. Disse também que questiona “com veemência qualquer tentativa de vincular indevidamente o nome da Finaxis a fatos que não dizem respeito à atuação” da empresa. “Temos uma trajetória pautada pela ética, pela legalidade e pela transparência, e seguimos firmes em nosso compromisso com esses valores”, citou, acrescentando que “permanece à disposição das autoridades competentes para colaborar com quaisquer esclarecimentos”.

Este espaço permanece aberto a eventuais manifestações das demais gestoras e instituições financeiras mencionadas na Operação Carbono Oculto, realizada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) e pela Receita Federal.

 

Fonte: Metrópoles

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